É verdade, amizade é terapêutica, ela nos protege, nos põe mais fortes... Mas, quando achamos que somos psy, ou que podemos substituí-lo, cuidado !
Duas amigas:
Este diálogo fictício ilustra uma tendência muito
atual e nociva – que consiste em passar-se por um analista de seus amigos:
pretender conhecer melhor que eles suas necessidades, desejos e razões de seus
atos, dar-lhes conselhos (que eles mesmos jamais seguem), ou ainda lhes
escutando noite e dia, acreditando ajudar assim a sair de uma depressão. Ora,
isto é bancar um psicólogo, um jogo e uma ilusão, - porque ser psicoterapeuta
ou psicanalista não é improvisar.
Tipos de escuta incompatíveis
Certamente
que nós somos às vezes enfermeiras, mamães de nossos amigos que atravessam
fases difíceis. Também nos transformamos em ouvidos atentos ao deixá-los falar
sem os interromperem. É um dever de amigo.
Mas a escuta empática do psicoterapeuta, que se
cala para sentir profundamente as emoções do outro e ajudá-lo a compreender seu
problema, é incompatível com a reciprocidade e a troca de uma relação amigável.
A posição de analisar é muito dispendiosa psiquicamente. Apenas aprendendo
psicoterapia se teria uma idéia do trabalho mental que o psicólogo faz, até que
diz uma frase. Parece simples, mas não é.
Já um
amigo é um outro si-mesmo. Não existe amizade sem igualdade.Ao
inverso, o psicólogo é um estranho que faz uma conexão analítica com o estranho inconsciente, para devolver ao
cliente.
Um amigo diz o que pensa. O psicólogo pensa para
dizer o que o cliente precisa e dá conta de ouvir naquele momento. Dispõe
também de outros recursos que acontecem apenas
no setting terapêutico.
Por isto que o jogo analítico não está à altura
das exigências de uma verdadeira amizade. - Mas eu tenho compaixão, e quero ajudar, você diria. Sim, existe a compaixão, que é a base do amor. Mas pode haver também a vontade do poder. Porque os psicólogos estudam para entender o comportamento humano, esta função é vista como saber e poder. Mas, atenção - sem formação terapêutica, a compaixão pode conduzir ao pior. Que fazer quando um amigo muito depressivo nos solicita em permanência, e nos faz testemunha de sua impossibilidade de viver?
Ser um verdadeiro amigo, é ter consciência de que
não se pode lutar apenas com nossa boa vontade e encaminhá-lo para um
profissional.
Os laços dependentes
Duas jovens de mais ou menos vinte anos conversam. Uma delas, quase às lágrimas, conta sua última ruptura amorosa. Ela se pergunta porque não consegue permanecer com um homem. O que é que não vai bem com comigo?- ‘É certamente porque assim que você consegue, você faz tudo para ele ir embora”, diz a amiga friamente, em vez de reconfortá-la. Quem diz isto para um amigo não sabe o estrago que faz. Ao invés de ajudar, mata o desejo. Pois bancar ‘aquele que sabe’ e jogar o papel de salvador são também invenções para tranqüilizar a si mesmo e esquecer seus próprios problemas.
Uma pessoa que espontaneamente confessa que duvida de si mesma para que os outros acabem se abrindo com ela, busca a posição de confidente privilegiado que é altamente valorizada.
É exatamente a situação de fulana, 55 anos,
cercada de amigas que precisam dela. Esta mulher, que jamais fala daquilo que
ela sente interiormente e que parece desprovida de problemas, é inesgotável
quando se trata de evocar as desgraças de suas protegidas.
Ela
cuida da história dos outros para continuar ignorando a própria. Precisa de
amigas que vão mal para se sentir bem.
Um verdadeiro amigo eleva o outro. O verdadeiro
laço amigável quer dizer ‘eu te gosto muito, eu quero o seu bem’. Ao contrário
da dependência ele é um abrigo, um refúgio. Se ele protege, não é porque quer
se prender ao outro em troca. Isto porque a dois, cria-se um espaço de
cumplicidade. A amizade não quer render a desgraça, mas se faz presente e
dedicada, ela permite aliviar o peso e abre as portas do apaziguamento.
As pessoas confidentes
Sem que elas tenham o menor desejo de ser
terapeutas, certas pessoas suscitam as confidências. Sabem usar as palavras, as
imagens mentais que nos permitem melhor nos compreender, de reagir quando
estamos quase a nos afogar. É verdade que existem indivíduos que atraem os
‘dependentes’. Mais ou menos conscientemente nós vemos neles pais razoáveis,
mães confiáveis, sobre quem transferimos nossas necessidades de conforto. Este
tipo de atitude é geralmente o resultado de uma infância passada sustentando
pais depressivos ou em sofrimento. Estes serão bons terapeutas, sem dúvida, se
resolverem fazer sua formação.
“Amigo
que me faz bem é aquele com quem posso rir de mim mesma e que suporta as minhas
bobagens . Um verdadeiro amigo é aquele com quem eu posso ser eu, sem críticas
e que me fala na hora se desagradei para não guardar rancor e envenenar a
relação, que não precisa pedir desculpas toda hora. É quem está comigo nas
horas tristes, mas que principalmente fica feliz com as minhas conquistas.”
Mesmo quando o amigo é psicólogo este tem relação
de amigo com seus amigos. Psicólogo só o é no consultório. Pode dizer o que
pensa, mas é companheiro, antes de mais nada. E também necessita ter amigos,
pois em consultório há outro tipo de relação.
Paradoxalmente talvez, quanto mais nossos amigos
não tentam se passar por psicólogo, mais nós temos cumplicidade, prazer de
compartilhar.
Na ausência de julgamento, o poder terapêutico da amizade é mais forte.
e agora - amigos de verdade....
Na ausência de julgamento, o poder terapêutico da amizade é mais forte.
e agora - amigos de verdade....
Referencia
Psychologies revue 304